segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

E nasce um blog

Este blog traz o relato do parto da Tarsila, que nasceu em 1o de abril de 2009.

São nove capítulos, em ordem cronológica, de cima para baixo
.

Contei com a ajuda do Ricardo na edição final dos textos, pois se dependesse de mim seria ainda maior.


Espero que você goste dos nossos causos.



Concepção


Sempre quis ser mãe. Namorava o Ricardo desde 1996, mas eu morava em Curitiba e ele, em São Bernardo. Em 1999, mudei pra São Paulo para trabalhar (sou jornalista, assim como ele) e namorar mais pertinho. Desde o casamento, em 2002, a gente curtiu muito a vida, viajando, mergulhando, estudando. Amigos e familiares sempre fizeram alguma pressão pró-bebê. Planejei começar as tentativas só em 2008, após um curso que faria nos EUA. Só que, para nossa surpresa, acabei engravidando um pouco antes de viajar, nas “despedidas”. Lembro bem da noite da concepção: senti um bem-estar enorme invadindo meu quarto, minha casa.











Descoberta

Embarquei sozinha para os EUA sem saber que já estava com minha sementinha, mas desconfiava. Em segredo, coloquei o teste de gravidez na mala. Mesmo assim, não fiz o teste logo que cheguei. Fiquei na dúvida cerca de dez dias, até que pintou um convite para um parque de montanhas russas. Foi aí que decidi fazer o teste. Positivo! Vários paradoxos: eu já desconfiava da gravidez, mas fiquei muito surpresa com o resultado. Eu fiquei entusiasmada com a confirmação, mas ao mesmo tempo chateada por estar longe. Como era uma sexta-feira à noite e sabia que meu marido iria sair, teria que esperar até o outro dia para ligar e contar.

Naquela noite, em Boston, compartilhei a
notícia apenas com alguns colegas do curso. Em seguida, todos foram para a balada. Eu fui dormir, curtir meu momento de descoberta. Dormi 16 horas. No sábado, acordei umas 15h, com o campus vazio. Todos já tinham ido para as tais montanhas russas e eu estava ali, sozinha, vivendo a minha montanha russa particular.

O alojamento da universidade ficava abandonado nos fins de semana. Não havia sequer uma lanchonete aberta. Minhas amigas tinham saído, deixaram o carro alugado comigo, mas esqueceram de deixar o GPS. Na tarde de sábado, passei a sentir enjôo e dor de cabeça. Ao me ver sozinha, o mal estar evoluiu para um princípio de pânico. Surtei achando que faria mal para o bebê eu não ter tomado nem café da manhã até as 15h. Também tive medo de ter causado algum problema ao bebê por ter andado por várias horas a pé com alguns colegas do curso no dia anterior. Tentava ligar em casa e nada. Celular do marido, nada.

Quando finalmente consegui falar com o Ri, com a ajuda do meu pai que o localizou na festinha de aniversário do nosso sobrinho Pedro, ele chorava de um lado, eu do outro. Como eu queria abraçá-lo. Quando reclamei que estava sozinha, ele disse uma das coisas mais lindas que já ouvi: “Amor, você precisa ficar calma. Pense comigo: você não está sozinha. Você está com o nosso bebezinho”. Engoli o choro na hora. Uma grande força brotou dentro de mim, me arrumei, peguei a chave do carro, um mapinha meia-boca que havia sobrado por ali e saí perguntando nos sinais como chegar ao centro de Boston. Conversar com ele mudou a minha tarde. No centro, uma hora depois, almocei um prato americanóide que daria para dois ou três. Fui andar pela cidade sem rumo certo e sorria até para o poste de tão feliz. Comprei outro teste e só voltei para o alojamento à noite. Na manhã seguinte, colhi a primeira urina e fiz nova checagem. Positivo, again. Putz, putz, putz! Naquele domingo, ainda faltavam dez dias para chegar em casa. Confesso que não foi fácil manter a mesma concentração na segunda metade do curso. O sono conspirava contra. Acordada, não conseguia parar de fazer planos.

Pré-Natal

Comecei o pré-natal com a médica que já me atendia há seis anos. Meu marido foi comigo na consulta e achou que ela era exagerada. De fato, era mesmo, apesar de ficar repetindo o tempo todo o insuportável clichê “gravidez não é doença”. Por conta de um regime em que eu havia emagrecido 20 quilos, estava viciada em academia, mas a médica proibiu os exercícios que eu costumava fazer. Só autorizou hidroterapia a partir do terceiro mês. E, segundo ela, tinha que ser no Hospital Santa Joana. Além disso, ela insistiu para que eu retomasse a terapia. Sobre as maternidades, ela fez restrições a praticamente todas de São Paulo, deixando apenas duas opções (as mais caras).

Mudei de médica no terceiro mês. Após ouvir várias amigas, optei por uma do convênio. Nessa nova médica, as consultas eram burocráticas. Check list: peso, pressão, circunferência da barriga, batimentos do bebê. Ok? Ok! Tudo em menos de 20 minutos. Desde o início, deixei claro que gostaria de fazer parto normal, mas os comentários dela eram evasivos. Tive pressão alta durante uma consulta. Foi fácil corrigir. Cortei totalmente o sal por uma semana e a pressão nunca mais subiu. Mesmo assim, a médica me tratava como se esse problema tivesse persistido. Após engordar um pouco acima da média aceita por aquela médica, fui encaminhada para o exame de tolerância à glicose para checar se não havia diabetes gestacional. O procedimento exige 12 horas de jejum e coleta de sangue de hora em hora, durante três horas. Fiz. Estava na 26ª semana. Foi terrível. Algumas semanas depois, descobri que o procedimento não tem valor algum antes da 30ª semana, quando o teste ainda traz o “retrato” de antes da gestação.

Um encontro casual do meu marido com uma colega de faculdade mudou o rumo do pré-natal. Essa amiga é uma grande entusiasta do parto natural e passou mais de uma hora falando com ele sobre sua própria experiência. Quando ele me contou, quis falar com ela. Marcamos um encontro e passamos três horas ouvindo seu relato.

Foi aí que comecei a frequentar as palestras de quinta-feira no Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (GAMA). Ali, comecei a conhecer as várias desculpas que os médicos criam para fazer cesárea. Na consulta seguinte com minha médica, resolvi testá-la. Perguntei se ela fazia muitos partos normais. Ela respondeu que só não fazia mais porque as pessoas não queriam. Perguntei então quanto tempo ela esperaria, caso eu não tivesse dilatação depois do início do trabalho de parto. “Umas quatro horas”, ela disse. “Passando disso, a gente induz. Se não der, fazemos cesárea”. Pronto. Já não havia mais dúvidas: se continuasse a fazer o pré-natal com ela, era bem provável que terminaria numa cesárea. Ela definitivamente não parecia comprometida com minha intenção de fazer parto normal.

No dia 23 de dezembro de 2008, fui à minha primeira consulta com a doutora Andréa Campos. Foi uma hora de consulta esclarecedora. Eu e meu marido saímos bem mais confiantes. Finalmente, na terceira médica, eu senti que teria o parto da forma como eu queria: de forma natural, sem intervenções que não fossem absolutamente necessárias, e com uma equipe humanizada.

Em janeiro, entrei na lista Materna. Comecei a pesquisar mais e a conhecer pessoas que tinham conquistado o que eu queria. Além disso, li o livro Quando o Corpo Consente. Com tudo isso, já não temia a dor, não temia passar de 40 semanas de gestação, não temia nó de cordão, bolsa rota e bebê pélvico, entre outras coisas. Nada nem ninguém tiraria da minha cabeça que eu seria capaz de parir.

Meu pré-natal evoluiu bem tranquilamente. Optamos por não saber o sexo do bebê e só fiz os ultrassons que realmente precisavam ser feitos, tomando muito cuidado para que nenhum médico acabasse com a surpresa do sexo.

Finalzinho da Gestação

Tive contrações de Braxton Hicks muito intensas a partir do sétimo mês. Com 39 semanas, elas ficaram mais frequentes e duravam cerca de 30 segundos. Depois da 40ª semana, começaram a ficar mais ritmadas, vinham a cada 30 minutos, duravam um minuto, porém nunca doíam. Como eu desejei que doessem.
Data provável de parto (DPP) ultrapassada. Parentes e amigos ansiosos, mas eu permanecia muito segura. Sabia que tudo estava bem comigo e com o bebê. Sabia também que os parentes e amigos estavam preocupados, pensando em nosso bem. Não queria indisposição com ninguém. Eu, a grávida, procurava tranquilizar os que estavam ao redor.

Fiz acupuntura, hidroginástica e dirigi até a 41ª semana. Esta última contravenção eu fiz por uma boa causa: minha barriga estava tão imensa e as costas doíam tanto, que o único exercício que eu fazia sem dor era na água. Dirigia porque me sentia muito mal em táxis. As professoras tinham até medo de me ver chegando. Temiam um inédito parto na piscina.
Ao completar 41 semanas, comecei a fazer alguns rituais de despedida da barriga. Escrevi uma cartinha para o bebê e, abraçada ao meu marido, eu a li em voz alta para a barriga. Também comi comida mexicana com muita pimenta. E namorei muito.

No dia 31 de março, quando já estava com 41 semanas e 1 dia, a doutora Andréa fez um descolamento de membrana, procedimento que em alguns casos desencadeia o trabalho de parto (TP). Até então, eu estava com zero de dilatação. O procedimento resultou em 1 centímetro de dilatação, medida que não retrocederia mais até o parto. No mesmo dia, fiz também uma massagem em pontos expulsivos com a Jill, uma parteira americana indicada pela Cris Balzano, minha doula. Foram duas maravilhosas horas de massagem em que chamei muito meu bebê para vir ao mundo. A Jill deu início ao trabalho de abrir meu corpo. Ela ensinou a relaxar alguns músculos que inconscientemente nós contraímos. No fim, ela disse que 80% das gestantes entravam em TP em até 48 horas após a massagem. Saí confiante.

À noite, tomei um chá de ervas expulsivas indicado por uma outra parteira. E, antes de dormir, andei por 20 minutos no pátio do prédio. Embora estivesse bem ativa na gestação, caminhar era algo que causava dor. Naquele noite, curiosamente, eu estava com um enorme “siricutico” para me movimentar, além de sentir muito calor.

Trabalho de Parto

Ao acordar na madrugada do dia 1º de abril para ir ao banheiro, percebi que estava com cólicas. Como comemorei aquelas cólicas. Não falei nada para meu marido e dormi novamente. Por volta das 7h, acordei novamente com aquela “dorzinha querida”. Que felicidade. Pelo jeito, meu bebê resolveu dar as caras. Às 7h20, acordei meu marido e começamos a marcar os intervalos e as duração das contrações, como a Cris e a dra. Andréa tinham instruído. 7h28, 7h40, 7h46... Foram 7 contrações em uma hora, a metade do número indicado pela médica para seguir para o hospital.

Nesse ritmo, começo a me arrumar para ir ao hospital São Luiz para fazer exames que já estavam agendados: um cardiotoco e um ultrasson para verificação do líquido. São os procedimentos indicados após a 41ª semana. Por precaução, resolvemos levar as malas da maternidade. Vai que...

Do carro, ligo para minha doula, Cris Balzano, para avisar o que está acontecendo. Descrevo as contrações e, por telefone mesmo, ela me ajuda a respirar de um jeito mais confortável. Não dá para saber ainda se é TP ou pródromos (falso TP). Pela manhã, o ritmo médio era de 11 contrações/hora. A Cris e a dra. Andréa acompanham por telefone.

No hospital, o ultrasson e os exames clínicos deram bons resultados, mas o mesmo não ocorreu com o desagradável cardiotoco (um cinturão apertando minha mega-barriga). Foi o primeiro estresse. Como o bebê estava quietinho, aparentemente dormindo, a médica quis acionar uma buzina de caminhão para fazê-lo mexer. Não autorizei e e ela ficou surpresa com minha “rebeldia”. Digamos que ir contra uma opinião médica no meio de uma contração não é algo exatamente fácil de fazer. Pior ainda quando a médica reage mal. E foi nesse momento que meu trabalho de parto foi ficando tenso e desconfortável. Argumentei que poderia comer um chocolate, pois a glicose provocaria o mesmo efeito. Ela disse que não tinha esse recurso entre os padrões do exame. Como alternativa, colocou um objeto que emitiu uma vibração em minha barriga. Refizemos o teste, mas o resultado não foi bom novamente. Ela deu nota 7 para o exame.

Nesse instante, eu e o Ri ficamos um pouco preocupados. Eu sabia o quanto o bebê mexia, mas o fato é que, no exame, ele não mexeu. A médica do hospital ligou para a dra. Andréa e me orientaram a repetir o exame após o almoço. Almocei, comi meio Diamante Negro (guardei a outra metade para comer durante o exame se o bebê ainda não estivesse mexendo) e, quase duas horas depois, fui repetir o teste. Pronto, deu certo: como esperado, a glicose acordou o bebê. Avisamos a dra. Andréa às 14h30, mas continuamos ali, esperando emitirem os resultados impressos.

A essa altura, eu já estava muito cansada e contrariada. Planejei sair do São Luiz umas 10h30, mas já eram quase 15h. Comecei a pensar o quanto queria estar em casa, pois se eu soubesse que o TP engrenaria mesmo, não tinha porque fazer aqueles exames todos. Às 15h30, chorei pela primeira vez. De dor e de raiva de estar ali até aquela hora. Aborrecida, resolvi partir. Quando fui avisar “estou indo”, o exame ficou pronto. Haja paciência! Só que o alívio durou poucos segundos. Logo em seguida, ainda dentro do hospital, meu marido percebeu que eu já estava com 14 contrações por hora. Era o índice indicado para seguir para o hospital, não para deixá-lo. A dra. Andréa sabia o quanto eu queria ir para a casa, mas, para liberar de vez, pediu um último exame, o da verificação da dilatação. Ela disse que se eu estivesse com mais de 4 cm, era melhor ficar por lá. Se tivesse com menos de 4 cm, seria melhor ir para a casa, mesmo que tivesse que tivesse que voltar poucas horas depois.

Fui encaminhada para a admissão do hospital, como se estivesse chegando em trabalho de parto. Lá, fui submetida a mais um cardiotoco - o terceiro do dia - e ao exame de toque. A dor que senti ao deitar na maca da admissão foi a pior da minha vida, sem dúvida. A maca era íngreme, o que tornava as contrações ainda mais doloridas. Mas pior foi descobrir que ainda estava com apenas 1 cm de dilatação, o mesmo do dia anterior. Toda aquela dor, e eu não tinha evoluído nada? O que seria, então, 4 cm ou 5 cm? E 7 cm? Só mais tarde fui perceber o óbvio: a evolução da dor não segue o ritmo aritmético da dilatação. Entrei no banheiro da sala de admissão e chorei. Chorei muito, não só por sentir dor, mas por nervoso mesmo. Tive dó de mim. Estava muito cansada após seis horas de exames e esperas. No banheiro, enquanto chorava sentada, saiu uma gosma, o que parecia ser o tampão. Ao me ver chorando, a obstetriz da admissão fez um comentário bastante infeliz: “Nossa, e você vai mesmo querer ter parto normal?”.

Ligamos para a dra. Andréa e ela disse que era melhor mesmo ir pra casa, nem que fosse apenas para relaxar e voltar duas horas depois. Eram 17h. Avisei a Cris Balzano que estávamos saindo do hospital naquele momento e combinamos que ela iria me encontrar em casa.

Ao entrar em casa, às 17h30, fui direto ao banheiro. Uma das coisas que eu mais queria fazer o dia todo era o número 2. Já estava me sentindo um pouco melhor de estar em casa. Depois disso (ou melhor, daquilo), entrei no banho. E as contrações e dores ali, indo e vindo. Eu me pendurava na janelinha do banheiro a cada contração. Dores lancinantes. Até que a Cris chegou, por volta das 18h. Lembro claramente da última contração antes de sua chegada e das contrações a partir do momento em que ela já estava ali. Ela me ajudava a respirar e a me controlar melhor. A dor não passou, mas eu passei pela dor de uma forma diferente. Por sugestão dela, sentei num banquinho embaixo do chuveiro. Mas não quis ficar muito tempo na água. Eu tinha pressa e precisava sair dali. Fui para a cama, mas também não conseguia deitar. Então, ela encheu a bola. Fiquei de bruços na bola, enquanto ela massageava minha lombar e entoava palavras de equilíbrio. Foi bom ouvi-la e sentir o cheiro do óleo da massagem.

Enquanto ela cuidava de mim, meu marido foi despachar algumas coisas de trabalho.

Fui fazer xixi e ploft. Caiu mais um pouco do tampão. De repente, saiu também mais um coágulo gigante de sangue. Volto para a cama para medir a dilatação. A Cris constatou 4 cm fora da contração. Oba! Ela perguntou ao Ricardo se a gente preferia ir para o hospital ou ficar ali. Como ele disse hospital, ela nem chegou a falar comigo sobre a hipótese de ficar em casa. Hoje, sei que ela não quis nos preocupar, mas, ao examinar minha dilatação, ela percebeu que o TP estava evoluindo de forma muito acelerada. Mesmo assim, ela disse, com muita calma: “Pessoal, é melhor irmos para o hospital agora então, tudo bem?”

Todas as nossas coisas já estavam no carro. Na garagem, percebemos que o Ri tinha esquecido a chave do carro. Isso era um bom sinal: indício de que tudo estava dentro do normal, hehehe.

A Cris ficou na garagem comigo. Achei que ia nascer ali mesmo. Que vergonha dos vizinhos que passaram de carro por nós, mas não segurei os gritos, não. Saímos de casa umas 19h25, com a Cris no carro de trás, nos seguindo. Às 19h30, liguei para a minha mãe no intervalo de uma contração. Disse que estava em trabalho de parto, a caminho da maternidade. Disse ainda que a amava e pedi para ela rezar por nós. Quando ia começar outra contração, desliguei, porque não queria que ela ouvisse meus gritos. Minha ligação durou exatos 30 segundos, mas o suficiente para me dar alívio por ter ouvido sua voz e recebido suas orações.

No caminho para o hospital, a Cris dava umas monitoradas pelo celular. Doía muito. O Ri também me “doulou”, colocou o CD de som de golfinhos que eu planejei colocar na hora do TP, passava a mão na minha cabeça, segurava firme minha mão e desviou de todos, todos os buracos do caminho. Meus gritos se transformaram em sons viscerais, que eu nunca tinha ouvido sair de mim. A cada contração, eu gritava um mantra que dizia: “Abre, abre, abre, abre, abre.... solta, solta, solta, solta, solta”.

Abri tanto meu corpo, soltei-me tanto, que quando a gente passou pela rua São Gabriel, falei para o Ricardo: “Ri, estou passando pelo círculo de fogo”. Ele disse: “O quê? Calma, amor, quando chegar lá você precisa se alimentar, pois você só almoçou e o parto pode levar mais umas 10 horas”. Eu disse: “Ri, não vai dar tempo. Estou com medo. Tá nascendo. Tá coroando!”. Eu tinha lido em vários relatos de parto essa sensação de passar pelo círculo de fogo, um nome perfeito para o que eu sentia. É como uma roda queimando o períneo e a vagina, as entranhas se abrindo, algo pressionando forte lá embaixo. Uma vontade imensa de fazer de novo o número 2.

Parto

Apesar do trânsito, chegamos rapidamente. Por volta das 20h, quase em frente ao hospital, quando a bolsa estourou. Eu estava sentada sobre uma toalha, que ficou encharcada. Às 20h02, exatamente, chegamos ao hospital. Ainda dentro do carro, coloquei a mão lá embaixo e, surpresa, senti a cabeça e o cabelinho do bebê coroando. “Tá nascendo, tá nascendo”, gritei. Tudo isso na porta de entrada do hospital, com o carro provisoriamente parado na rampa de acesso para deficientes.

Enquanto a Cris me segurava, o Ri tentava providenciar uma maca junto ao segurança e às recepcionistas. Segundos depois, chegou uma cadeira de rodas. Com muita dificuldade, e agora com cuidado triplicado para não esmagar a cabecinha do bebê, consegui sentar. Uma recepcionista me levou para dentro, junto com a Cris, enquanto o Ricardo entregava o carro ao manobrista.

Para minha surpresa, os gritos na porta do hospital e a informação de que já estava sentindo a cabecinha do bebê saindo não foram suficientes para convencer o pessoal da recepção sobre o estágio do parto. Pasmem: naquele estado, ainda queriam que eu passasse novamente pelo setor de admissão. Ao perceber, botei o pé na porta e disse que não dava tempo, que o bebê já estava ali. Disse que já tinha passado pela admissão poucas horas antes. Encontraram meu prontuário e me liberaram dessa burocracia.

Sala de parto? Nada. Depois de correr por alguns corredores e subir por um elevador, queriam porque queriam que eu fosse para a sala de pré-parto, onde as gestantes aguardam sua vez de ir para a sala de parto. Dessa vez foi a Cris que engrossou. Disse que o bebê já estava ali e que era preciso ir direto à sala de parto.

A própria Cris notou que a sala de parto Delivery (o nome é estranho, mas é assim mesmo) estava livre. Fomos direto para lá. Ao entrar, uma enfermeira pediu para eu sentar na maca. Eu recusei: “Não dá. Se sentar, vou esmagar a cabeça do bebê”, repeti. Como eu já conhecia a sala e seus equipamentos, virei para a Cris e, quase que instintivamente, disse: “Cris, pega o banco de cócoras, rápido, vai nascer”. A Cris pegou rapidamente, eu sentei e disse: “Segura, vai cair”. Foi o tempo suficiente apenas para a Cris colocar uma luva. Às 20h08, o bebê escorregou. Vupt! Foi como um sabonete que escapa da mão. Eu fiquei muito emocionada, mas ao mesmo tempo sentia um lamento, que era o fato de o Ri não estar ali na hora que o bebê nasceu. Ele estava “preso” na recepção, ditando para as funcionárias o nome, o CPF e o plano daquela grávida que, minutos antes, passou berrando pelo hall.

Toda a dor passou no instante do nascimento. E eu tremia de emoção. Tinha calafrios. Não vi o momento que a dra. Andréa entrou na sala, mas depois ela contou que presenciou tudo, a cerca de um metro da Cris. Ao perceber a urgência da situação, e reparar que tudo estava devidamente encaminhado, teve a sensibilidade de dar um passo para trás “para não atrapalhar o que a Cris estava fazendo”. Eu achei que isso foi de uma sabedoria enorme e sou muito grata a ela por esse gesto de humildade.

Quando o Ricardo achou a sala de parto e entrou, ficou meio abobado. Ele me viu sentada num pequeno banco, segurando um bebê na perna, toda suja de sangue, com o vestido jogado no chão. Ao lado, a maca limpinha e esticada. Ele veio ao nosso encontro para um abraço muito emocionado. Nessa hora, o bebê “miava”, todo encolhidinho, tentando pegar meu peito, como se já sentisse o cheirinho do colostro. Foi então que eu perguntei: “Alguém viu o sexo?” A Dra. Andréa se aproximou e levantou o cordão, que estava passando entre as pernas do bebê. Era uma menina. A nossa fadinha Tarsila, exatamente como um sonho que eu tive.

Ficamos ali uns dois ou três minutos curtindo os primeiros segundos da Tatá na atmosfera, olhando para a cara dela, fazendo os primeiros carinhos. O cordão foi cortado pelo Ricardo enquanto eu ainda estava no mesmo banquinho.

Estávamos nos deliciando com nossa menininha, que nasceu moreninha, ligeiramente cabeluda e já tentava mamar, quando, de repente, o segundo “ploft”: eu pari a placenta inteirinha, que caiu em cima do meu pé, ainda calçando uma sandália rasteirinha que nem tive tempo de tirar.
No meu plano de parto, pedi para que a dra. Andréa chamasse um pediatra neo-natal quando estivesse no expulsivo. Infelizmente, como tudo foi muito rápido, não deu tempo de chamar ninguém e a equipe do São Luiz aspirou a Tatá.

A dra. Andréa conseguiu falar com a dra. Nina, pediatra, que apareceu rápido. Ao chegar, ela conseguiu evitar que pingassem o colírio de nitrato de prata. Em seguida, ensinou o Ricardo a dar o primeiro banho da Tarsila, num balde branco, ao meu lado. Nesse instante, eu já estava toda serelepe, filmando e tirando fotos dos meus amores. A dra. Nina também me ajudou a colocar a Tarsila para mamar. O bebê pegou meu peito direitinho já na segunda tentativa.

Costumo dizer que a Tarsila foi muito generosa comigo em me proporcionar um parto tão rápido. Acho que foi o presente que ela nos deu em retribuição a termos deixado que ela viesse no dia e hora em que estivesse 100% pronta. Chegamos ao hospital às 20h02. O ticket do estacionamento é de 20h06. O protocolo de entrada no hospital feito pelo Ricardo na recepção marca 20h07. A Tatá nasceu às 20h08. A nossa meninona chegou pesando 3.620 gramas e medindo 51 centímetros. O apgar foi 8-10.

Às 20h25, eu já estava telefonando para Curitiba para contar a novidade para minha mãe. Ela, meu pai e minha irmã vieram para São Paulo, de carro, no mesmo instante. Chegaram à maternidade por volta das 2h30 da madrugada. Como fiquei feliz com a presença deles ali.

Já a minha sogra não acreditou quando o Ri ligou logo depois do parto e contou que a Tarsila tinha acabado de nascer. Era 1º de abril, ele sempre foi muito brincalhão, e realmente foi um pouco difícil convencê-la por telefone.

Durante os três dias de hospedagem no hospital, optamos por ficar com a Tarsila no quarto o tempo todo. Nem precisaria ficar tanto tempo, mas achamos melhor passar um dia a mais para descansarmos, sempre junto dela.























Pós-parto

Foi uma delícia sair da maternidade e andar de carro com ela pela primeira vez. Chegar em casa com a Tarsila foi muito gostoso. “Esta é sua casinha, meu amor”, disse para ela. O cheirinho de nenê tomou conta do nosso lar.

Com muito apoio familiar e de amigos, meu pós-parto foi um tempo de descobertas fantásticas sobre a maternidade. O Ricardo tirou 20 dias de férias, para mergulhar comigo na nossa nova história. Minha mãe passou o primeiro mês com a gente. A ajuda dela foi fundamental para me apoiar nos cuidados com a Tarsila e para fazer a casa funcionar.

Eu saí de Curitiba em 1999 para viver em São Paulo. Não poderia imaginar que a maternidade me faria ficar mais próxima das minhas raízes, dez anos depois. Isso porque, em licença, pude viajar várias vezes para Curitiba e uma vez para a casa do meu irmão, em Umuarama.

As consultas com a dra. Nina, a pediatra que fez o atendimento neo-natal da Tarsila, eram enriquecedoras. Felizmente, a Tarsila evoluiu muito bem todos os meses.

Frequentei o CineMaterna e o grupo de pós-parto do GAMA desde os dois meses da Tarsila. Fui chegando de mansinho nos ensaios do coral Materna em Canto, da querida Isadora Canto e sua turminha. Com a excelente acolhida, fui ficando enquanto eu pude e até tive a honra de poder participar de duas apresentações públicas. Também fiz aulas de baby-ioga e apliquei a shantala na Tarsila, uma massagem que acalma os bebês e nos conecta ainda mais.

Minha licença maternidade foi prorrogada para seis meses, o que possibilitou amamentá-la exclusivamente no peito por meio ano. Ao fim desse período, decidi com o Ricardo que ela ficaria num berçário, que consideramos a melhor alternativa para o nosso estilo de vida.

Como tirei férias depois da licença, consegui mais um tempinho para fazer eu mesma a introdução dos alimentos. Prestes a voltar ao trabalho, fiz adaptação minha e dela ao berçário. Mais minha do que dela.


Considerações finais



Antes do parto, eu tinha muita curiosidade sobre como meu bebê iria nascer. Eu imaginava tudo, menos que fosse ser tão rápido. Li muito sobre partos, tentei compreender melhor o que seria a dor, o processo etc. Eu me via deitada na banheira, curtindo músicas relaxantes e comendo o açaí que comprei para não ter fome durante o TP.

A Ana Cris, parteira que coordena as atividades do GAMA, costuma dizer que cada um tem o parto que merece. Essa frase me encucou ainda mais depois do parto. Isso porque, apesar de eu ter tido um parto bem rápido, desejo de muitas mulheres, no fundo, no fundo, eu queria que tivesse sido mais calmo, mais tranquilo, vivido por mais tempo, de tão bom que é este momento, de tanto que eu projetei para passar por ele.

Depois de tanto pensar, cheguei à conclusão que, como eu sempre fui de fazer várias coisas ao mesmo tempo, meu parto só podia ter sido assim: meio no hospital, meio no carro, meio em casa, meio no carro, meio no hospital. Foi um “parto parido”, um parto “ploft”, um parto de choque, transformador, que pariu também uma nova Patrícia, mais madura, mais mulher, mais decidida, mais segura, mais selvagem, mais empoderada, encantada com as maravilhas da maternidade.


Agradecimentos


Eu não podia deixar de agradecer a Deus, por ter me entregue uma missão tão bonita como a maternidade;

À Tarsila, por ter escolhido a nossa família e ter sido tão corajosa durante o parto, como o próprio significado de seu nome diz. Também por sempre ter dado sinais de que tudo estava bem e por ser hoje uma menina segura e tranquila;

Ao Ricardo, por seu amor, pelo pai exemplar que se tornou, por participar de tudo desde o começo e por ter me incentivado a escolher um caminho muito bonito e humano para parir nosso bebê;

À minha mãe, pela mulher e amiga que é, pelos valores que me passou, por me fazer desejar ser tão boa mãe quanto ela, por me ajudar a sentir que a mente faz o leite jorrar e por ter ficado aqui com a gente fazendo a casa andar;

Ao meu pai, que aceitou nossas escolhas e torceu por nós;

À dra. Andrea, minha médica, pessoa angelical que me deu a certeza de que eu era capaz de parir naturalmente;

À Cris Balzano, doula querida, por suas palavras de equilíbrio e por ter segurado minha princesinha na boca do gol;

E à Ana Cris e todas as amigas e amigos que frequentam o GAMA e a lista Materna, pelos relatos de suas experiências que me aproximaram do meu tão sonhado parto natural, sem drogas e com muito sentimento.

Pra finalizar, pincei da lista Materna uma frase de uma colega que considerei a essência do que eu vivi: "Ela estava com aquele olhar de quem descobriu um segredo, de quem passou por algo importante e transformador. Olhar de quem faz suas escolhas de forma consciente e assume todos o riscos."